segunda-feira, 23 de abril de 2018

PRAZO DE DENÚNCIA PELO LOCATÁRIO DO ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS



Capela

Antigamente as leis eram feitas por quem sabia e por isso vigoravam por cem anos, com clareza suficiente para se ter uma Jurisprudência coesa e pouco alterada que emprestava segurança aos direitos e ao seu exercício nos tribunais.
Hoje não é assim e a confusão é tanta que a expectativa do resultado de uma lide judicial tem a certeza de uma roleta.
Dei por este acórdão alentejano que traz luz nova a uma questão velha: com que antecedência pode um arrendatário não habitacional denunciar o respectivo contrato de arrendamento?

Acórdãos TRE | Acórdão do Tribunal da Relação de Évora
Processo:1384/15.1T8FAR.E1        
Relator:TOMÉ RAMIÃO
Descritores: ARRENDAMENTO, DENÚNCIA, PRAZO  
Data do Acórdão: 20-10-2016
Votação:UNANIMIDADE
Decisão:CONFIRMADA
        
Sumário:    É de acolher a orientação, por mais conforme à letra e ao espírito da lei, segundo a qual o n.º 2, do art.º 1110.º, do C. Civil, ao estabelecer a antecedência mínima de 1 ano para a denúncia, por parte do arrendatário, nos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, é aplicável quer as partes hajam fixado expressamente prazo de duração do contrato, mas nada disseram quanto à denúncia, quer nos casos em as partes não fixaram qualquer prazo de duração do contrato. 
        
Decisão Texto Integral: 
Acordam no Tribunal da Relação de Évora
I- Relatório:
AA intentou a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra Banco BB, SA, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 75.860,94, acrescida de juros à taxa legal sucessivamente em vigor, desde a citação até integral pagamento, alegando ter celebrado com este um contrato de arrendamento para fim não habitacional em 2009, pelo prazo de 25 anos, o Réu procedeu à denúncia do contrato em Novembro de 2013, sem que estivesse decorrido 1/3 do prazo do contrato, pelo que a denúncia é válida mas são devidas as rendas até ao termo desse prazo, no valor total de € 74.500,00, sendo ainda devido o custo das reparações que teve de fazer no imóvel após a entrega.
O Réu deduziu contestação, dizendo ter cumprido o prazo de pré-aviso da denúncia aplicável à situação dos autos, na medida em que a Lei 31/2012 de 14 de Agosto que alterou o NRAU não é aplicável à situação dos autos, considerando o disposto no seu artigo 7º. E, caso assim não se entenda, a aplicação da atual redação do artigo 1098º do Código Civil ao contrato dos autos, que impõe um prazo maior de manutenção de contrato para denúncia do arrendatário viola o Princípio constitucional de Estado de Direito, nas vertentes da tutela da confiança e da segurança jurídica.
Foi realizada audiência prévia, na qual as partes lograram obter acordo relativamente ao custo da reparação do imóvel mediante transação, e, realizado o julgamento, foi proferida a competente sentença que condenou o Réu Banco BB, SA a pagar ao Autor AA “a quantia de €10.854,00, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis, absolvendo-o do demais peticionado”.
Desta sentença veio o Réu interpor o presente recurso, alegando e concluindo nos termos seguintes:
1. Por não concordar com o teor da douta sentença, vem o ora Recorrente interpor recurso porquanto entende que a mesma incorreu em erro na determinação da norma aplicável, ao aplicar o disposto no n.º 2 do art.º 1110.º do CC, doravante “CC” e ao afastar, por completo a aplicabilidade do disposto no n.º 1 do art.º 1110.º do CC.
Igualmente, entende que a douta sentença, viola o disposto nos artigos 1110.º n.º 1 do CC, 1095.º do CC, 1098.º n.º 2 na redação dada pela Lei 6/2006 de 27.02 do CC; n.º 1 do art.º 7.º da Lei 31/2012 de 14 de Agosto, bem como, o principio constitucional do Estado de Direito, na vertente da tutela da confiança e da segurança jurídica, artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, “CRP”.
2. Com base na matéria de facto dada por assente, andou mal a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo ao considerar que, contrariamente ao entendimento de ambas partes, a questão sub judice se resolveria através da aplicabilidade do disposto no n.º 2 do artigo 1110.º do CC.
3. Salvo melhor opinião que tanto respeito nos merece, estando demonstrado nos autos que consta do contrato de arrendamento celebrado entre Recorrente e Recorrido, uma clausula que estatui expressamente sobre o prazo do contrato (25 anos), não poderá ser aplicável o n.º 2 do artigo 1110.º do CC, como entendeu o douto Tribunal a quo, por tal dispositivo legal apenas ter razão de existir nos casos em que as partes expressamente nada estipularam em relação ao prazo de duração do contrato.
4. Na verdade, entendimento diferente conduzirá a situações absurdas, como seja, por exemplo, termos um contrato celebrado por 6 meses e o mesmo apenas poder ser denunciado com um ano de antecedência, ou seja, o prazo de denúncia correrá mesmo antes de se iniciar os efeitos do contrato.
Mais, se aplicarmos tal entendimento, questiona-se em que situações poderemos fazer operar o disposto no n.º 1 do artigo 1110.º do CC, apenas nos casos em que as partes nada estipulam sobre a oposição à renovação?
5. Salvo melhor opinião que tanto respeito nos merece não terá sido essa a intenção do legislador. Na verdade o espírito da redação do n.º 2 do artigo citado, prende-se apenas e tão só com os casos de falta de estipulação total sobre o prazo de duração do contrato, na medida em que, o Ordenamento Jurídico Português não pretende que vigorem contratos de arrendamento para fins não habitacionais, sem prazo de duração determinada, daí a necessidade de estatuição do n.º 2.
6. Ora, no caso vertente, tendo o contrato sido celebrado com duração determinada mas sendo omisso relativamente às regras da denúncia e de oposição à renovação, teremos de fazer operar o disposto no n.º 1 do artigo 1110.º do CC em detrimento do n.º 2, pelo que, se pugna pela alteração da douta sentença nesta matéria.
7. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, in www.dgsi.pt, proferido no âmbito do processo n.º 25192/09.0-T2SNT.L1-2.
8. Por outro lado, e seguindo-se o entendimento supra perfilhado, entende o ora Recorrente que mandando aplicar o n.º 1 do artigo 1110.º do CC, as regras relativas ao arrendamento para habitação, previstas no artigo 1098.º do CC, teremos de ter em atenção que a redação do mesmo deverá ser a que se encontrava em vigor à data da celebração do contrato (2009) e não a que veio posteriormente a vigorar fruto das alterações introduzidas pela Lei 31/2012 de 14 de Agosto.
9. Na verdade e pese embora a denúncia do contrato tenha ocorrido ao abrigo da nova redação legislativa, entende-se que face à lei em vigor e conhecida das partes à data da celebração do contrato, a possibilidade de denúncia por parte do arrendatário, já se havia constituído na sua esfera jurídica.
10. Com efeito, a opção do Recorrente e do Recorrido de não estipularem regras específicas para a denúncia do contrato, resulta de uma intenção clara e deliberada de as submeter ao regime vinculístico decorrente da Lei 6/2006 de 27.02, em vigor à data, pelo que, as partes celebraram o contrato conscientes de que ao fim de seis meses de vigência do mesmo, o arrendatário poderia, a todo o tempo, proceder à sua denúncia, mediante pré-aviso de 120 dias.
11. Assim, não tendo o regime legal vinculístico sido afastado expressamente pelas partes, deverá entender-se que o conteúdo de tal norma foi incorporado no contrato, fundindo-se com as demais declarações dos contraentes.
12. Mais, tendo o contrato sido celebrado em 02.02.2009, os 6 meses de vigência que possibilitavam a denúncia consumaram-se em 02.08.2009, pelo que, não será pelo facto de uma nova lei vir prever um prazo mais alargado para que tal ocorra, que os efeitos já produzidos na esfera jurídica do Recorrente em data anterior, podem ser simplesmente destruídos.
13. Acresce que dispõe o n.º 1 do artigo 7.º da lei 31/2012, que “aos prazos em curso se aplica a redução de prazos resultante da persente lei, exceto se for menor o decurso do tempo para se completarem” e, dispõe o n.º 2 que “os novos prazos contam-se a partir da entrada em vigor da presente lei”.
14. Assim, estando a possibilidade de denúncia pelo arrendatário já consumada (02.08.2009), no momento da entrada em vigor na nova lei, face ao citado artigo, por maioria de razão não será aplicável a nova redação do artigo 1098.º do CC onde se prevê que “decorrido um terço de vigência do contrato poderá o arrendatário denunciar o contrato (…)”. A norma citada é clara, se for menor o decurso do tempo para se completar o prazo, é este que se aplica e não o novo prazo introduzido, pelo que, no caso vertente o mesmo raciocínio terá de operar.
15. Salvo melhor opinião, que tanto respeito nos merece, a interpretação contrária, ou seja, que entenda ser de aplicar a redação do artigo 1098.º do CC introduzida pela Lei 31/2012 de 14 de Agosto viola o Principio constitucional de estado de Direito, nas vertentes da tutela da confiança e da segurança Jurídica (artigo 2.º da Constituição da Republica Portuguesa).
Conforme escreve Gomes Canotilho, in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, pág. 257, “O Homem necessita de segurança para conduzir, planificar e confirmar autónoma e responsavelmente a sua vida”.
16. Ora, no caso vertente aplicar a Nova Lei a uma situação jurídica que já se havia consumado na esfera jurídica do Arrendatário / Recorrente não é mais que uma violação gritante do princípio da segurança jurídica e da confiança. Neste sentido, veja-se o recente Acórdão n.º 297/2015 da 1.ª secção do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da Republica, 2.ª série n.º 130 de 07 de Julho de 2015.
17. Face a todo o exposto e tendo em consideração o erro na aplicação da norma e a violação das normas citadas no ponto 1 das conclusões, deverá a douta sentença ser devidamente alterada e, consequentemente, por o ora Recorrente ter cumprido o pré-aviso legal para a denúncia do contrato, ser substituída por outra que o absolva do pedido.
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O Autor contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, e recorreu subordinadamente, concluindo assim:
1 – A questão a solucionar no presente caso, como consigna, de forma precisa e clara, a douta sentença recorrida, é a seguinte:
“Nos presentes autos cumpre apurar qual o regime jurídico aplicável à denúncia de um contrato de arrendamento para fins não habitacionais pelo arrendatário celebrado ao abrigo do NRAU, na redação introduzida pela Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro e cuja denúncia ocorreu na redação introduzida pela Lei 31/2012, de 14 de Agosto.”
2 – Tal questão, com o devido respeito, foi incorretamente solucionada na, aliás, douta sentença recorrida, em virtude de ter feito incorreta interpretação da norma do nº 2, do Art. 1110º do C. Civil, respeitante aos contratos para fins não habitacionais o que conduziu à sua aplicação ao presente caso, quando a norma aplicável é antes a do nº 1 desse mesmo artigo, que remete para o disposto quanto ao arrendamento para habitação, ou seja, para o disposto no art. 1098º, do C. Civil, afastando assim a aplicação daquele nº 2 do art. 1100º do C. Civil.
3 – É que a norma do nº 2, do art. 1110º, do C. Civil é uma norma supletiva que respeita apenas à duração do contrato e à respetiva denúncia quando a duração não seja estabelecida pelas partes, fixando essa duração supletivamente, assim como o prazo da denúncia nesse caso, ou seja, dela se retira, ao contrário do que se entendeu na douta sentença recorrida, que, só na falta de estipulação em relação à duração do contrato, se considera que o mesmo foi celebrado por prazo certo de cinco anos e que o arrendatário, nesse caso, não pode denunciá-lo com antecedência inferior a um ano.
4 – Porém, no caso sub judice, foi fixado prazo no contrato, prazo esse de 25 anos, pelo que esta norma supletiva não tem aplicação, uma vez que só se aplica aos contratos em que não for estipulado prazo de duração.
5 – Ao aplicar ao presente caso o disposto no nº 2, do art. 1110º do C. Civil, a douta sentença fez incorreta interpretação e aplicação da lei, pois tal preceito não é aplicável, sendo-o, ao invés, o disposto no nº1, que remete para o disposto sobre o arrendamento para habitação, ou seja, para o disposto no art.1098º do C. Civil, que regula a oposição à renovação do contrato e a denúncia, na falta de estipulação contratual, dado que o contrato em causa, tendo estipulado o prazo de duração, pelo período de 25 anos, nada estipulou quanto à sua denúncia.
6 – À denúncia do contrato sub judice – questão a solucionar no presente processo – aplica-se o nº 3 do art. 1098º C. Civil, que confere o direito à denúncia após decorrido um terço do prazo de duração inicial do contrato, ou seja, neste caso, depois de decorridos 8 anos e 4 meses, ou sejam, 100 meses, que se completam em Outubro de 2017.
7 – Por seu turno, o nº 6 do art. 1098º estatui que “a inobservância da antecedência prevista nos números anteriores não obsta à cessação do contrato, mas obriga ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta.”, ou seja, neste caso, tendo o contrato sido denunciado com efeitos a partir de junho de 2014, estão em divida as rendas desde junho de 2014 a outubro de 2017, no montante mensal de 1.809,00€ e num total de 74.169,00€, e não apenas as correspondentes a 6 meses, num total de 10,854,00€, como decidiu, a, aliás, douta sentença, que, assim, nessa parte, deverá ser alterada e o Réu Recorrente condenado a pagar ao Autor a totalidade daquela quantia de 74.169,00€ (setenta e quatro mil cento e sessenta e nove euros), como foi peticionado.
Terminou pedindo a alteração da sentença no sentido do Réu ser condenado a pagar ao Autor a quantia de 74.169,00€ (setenta e quatro mil cento e sessenta e nove euros), como foi peticionado.
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Os recursos foram admitidos como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Cumpre apreciar e decidir.
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II – Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil -, constata-se que a questão essencial decidenda consiste em saber qual é o prazo de pré-aviso para a denúncia, pelo arrendatário, do contrato de arrendamento para fins não habitacionais, celebrado no âmbito da vigência do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27/fevereiro, mas cuja denúncia foi efetuada após as alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012, de 14/agosto.

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III – Fundamentação fáctico-jurídica.
1. Matéria de facto.
A matéria de facto fixada na 1.ª instância, que não vem questionada, é a seguinte:
1) O Autor AA é dono e legítimo possuidor do rés-do-chão destinado a comércio, com a área de 105,49 m2, com entrada pelo número 2-A, do terceiro edifício composto por rés-do-chão, primeiro e segundo andares, pertencente ao prédio urbano composto por 3 edifícios, sito na Rua 25 de Abril, números 2-A, 2-B, 4, 4-A e 4-B, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 4247/20081217 e inscrito na matriz atualmente sob o artigo 2826º, e antes sob o artigo 3816º (artigo 1º da petição inicial).
2) Em 2 de Fevereiro de 2009, o Autor AA celebrou com o Réu Banco BB, SA o “Contrato de Arrendamento Comercial” do rés-do-chão referido em 1) nos termos do qual cedeu o gozo temporal do imóvel para comércio bancário, pelo período de 25 anos, com início em 2 de Fevereiro de 2009, com a contrapartida monetária de € 2.000,00 mensais, atualizável de acordo e nos termos do NRAU, com vencimento no primeiro dia útil do mês anterior a que dissesse respeito e a ser paga até ao dia 8, por depósito em conta bancária do Autor, ficando o arrendatário autorizado a proceder a obras de adaptação e de melhoramento do locado inerentes à imagem e ao funcionamento da própria instituição bancária, tal como resulta de fls. 30 a 33, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
3) Em 1 de Outubro de 2012, o Autor e o Réu estabeleceram um aditamento ao acordo referido em 2) pelo qual acordaram em alterar o valor da renda mensal para € 1.750,00, com efeitos a partir dessa data, tal como resulta de fls. 34 e 35, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
4) A renda foi entretanto atualizada para € 1.809,00, com efeitos a partir de 1
de Janeiro de 2013.
5) Com data de 1 de Novembro de 2013, o Réu enviou ao Autor uma carta pela qual denuncia o contrato de arrendamento referido em 2), com efeitos a partir de 1 de Março de 2014, nos seguintes termos: “Exmo. Sr., Somos pela presente, e nos termos do nº 2 do artigo 1098º do Código Civil, a denunciar o contrato de arrendamento referente à fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao rés-do-chão com entrada pelo número 2-A, da Rua 25 de Abril, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 4247, com efeitos a partir de 01 Março de 2014.” tal como resulta de fls. 36, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 10º da petição inicial).
6) O Réu pagou as rendas relativas ao acordo referido em 2) até Maio de 2014.
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2. O direito.
1. A única questão jurídica colocada consiste em saber se à denúncia do contrato de arrendamento, efetuada pelo Réu/recorrente, é aplicável o prazo previsto no n.º2 do art.º 1110.º do C. Civil, como decidido na sentença recorrida, ou o prazo a que se reporta o n.º2 do art.º 1098.º do C. Civil, na versão dada pela Lei n.º 6/2006, como defende o recorrente principal, ou os n.ºs 3 e 6 dessa disposição legal na redação dada pela Lei n.º º 31/2012, posição sustentada pelo autor/recorrente subordinado.
Na decisão recorrida entendeu-se “ In casu, estando em causa uma relação jurídica derivada do supra referido contrato de arrendamento que se prolongou no tempo e cuja denúncia ocorreu em 2013 é aplicável o regime geral da locação previsto no Código Civil e no Novo Regime do Arrendamento Urbano, na redação introduzida pela Lei 31/2012, de 14 de Agosto”.
Em consequência, a 1.ª instância considerou ser aplicável o disposto no n.º2 do art.º 1110.º, do Código Civil, na redação introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, que estabelece que o arrendatário não pode denunciar o contrato de arrendamento com antecedência inferior a um ano e condenou o Réu no pagamento das rendas correspondentes a 6 meses, já que apenas denunciou o contrato com 4 meses de antecedência.
Discordam os recorrentes da interpretação feita na decisão recorrida, estando ambos de acordo em ser aplicável, no caso concreto, o regime previsto no art.º 1098.º do C. Civil, centrando-se a divergência entre os recorrentes quanto à versão dessa disposição a ter em conta, ou seja, para o recorrente principal será aplicável o n.º2 desse preceito legal, na versão dada pela Lei n.º 6/2006, que prevê um prazo de pré-aviso de 4 meses, enquanto o recorrente subordinado defende a aplicação dos n.ºs 3 e 6 na redação dada pela Lei n.º º 31/2012, que exige que a denúncia só possa ser efetuada decorrido um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.
Ora, pode ler-se na decisão recorrida:
“Assim, na data da celebração do contrato de arrendamento dos autos estava em vigor o NRAU (Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro, a qual entrou em vigor em 27 de Junho de 2006, tal como resulta do seu artigo 65º) e na data da denúncia do referido contrato estava em vigor tal regime com as alterações introduzidas pela Lei 31/2012, de 14 de Agosto (não assumindo relevância para a situação dos autos as alterações entretanto introduzidas pela Lei 79/2014, de 19 de Dezembro).
A Lei 31/2012, de 14 de Agosto entrou em vigor no dia 13 de Novembro de 2012, tal como resulta do seu artigo 15º.
Por sua vez, o artigo 12º do Código Civil consagra que: “1- A lei só dispõe para o futuro; ainda que, lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
2- Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”.
Nestes termos, quando estão em causa normas de direito substantivo, como são as respeitantes aos fundamentos da cessação do contrato, será aplicável o regime em vigor no momento em que se produziram os factos que desencadearam o efeito jurídico.
Assim, em regra, as alterações introduzidas ao NRAU pela Lei 31/2012, de 14 de Agosto aplicam-se a todos os contratos que sejam celebrados após a data da sua entrada em vigor, e mesmo aos que sejam anteriores mas a tal data ainda subsistam.
Efetivamente, naquilo em que o NRAU na redação introduzida pela Lei 31/2012, de 14 de Agosto dispôs diretamente sobre o conteúdo dos contratos (direitos e deveres dos sujeitos), passou a ter aplicação imediata às relações já constituídas, dado que nenhuma ressalva foi feita em contrário.
In casu, estando em causa uma relação jurídica derivada do supra referido contrato de arrendamento que se prolongou no tempo e cuja denúncia ocorreu em 2013 é aplicável o regime geral da locação previsto no Código Civil e no Novo Regime do Arrendamento Urbano, na redação introduzida pela Lei 31/2012, de 14 de Agosto.
Na situação dos autos está em causa a cessação do contrato de arrendamento para fins não habitacionais por iniciativa unilateral do arrendatário, a que o regime da locação qualifica como denúncia, tendo sido dado um pré-aviso de 120 dias e tendo sido pagas rendas relativas a 6 meses após a comunicação da denúncia.
Ambas as partes entendem que a denúncia dos autos está consagrada no artigo 1098º do Código Civil, divergindo apenas quanto à redação de tal norma que é aplicável ao contrato em litígio.
Ora, o artigo 1098º do Código Civil, na redação introduzida pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, com a epígrafe “Oposição à renovação ou denúncia pelo arrendatário” dispunha que: “1- O arrendatário pode impedir a renovação automática mediante comunicação ao senhorio com uma antecedência não inferior a 120 dias do termo do contrato.
2- Após seis meses de duração efetiva do contrato, o arrendatário pode denunciá-lo a todo o tempo, mediante comunicação ao senhorio com uma antecedência não inferior a 120 dias do termo pretendido do contrato, produzindo essa denúncia efeitos no final de um mês do calendário gregoriano.
3- A inobservância da antecedência prevista nos números anteriores não obsta à cessação do contrato, mas obriga ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta”.
Atualmente, na redação introduzida pela Lei 31/2012, de 14 de Agosto, o artigo 1098º do Código Civil consagra que: “1 - O arrendatário pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao senhorio com a antecedência mínima seguinte:
a) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos;
b) 90 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos;
c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano;
d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses.
2 - A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.
3 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, decorrido um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, o arrendatário pode denunciá-lo a todo o tempo, mediante comunicação ao senhorio com a antecedência mínima seguinte:
a) 120 dias do termo pretendido do contrato, se o prazo deste for igual ou superior a um ano;
b) 60 dias do termo pretendido do contrato, se o prazo deste for inferior a um ano.
4 - Quando o senhorio impedir a renovação automática do contrato, nos termos do artigo anterior, o arrendatário pode denunciá-lo a todo o tempo, mediante comunicação ao senhorio com uma antecedência não inferior a 30 dias do termo pretendido do contrato.
5 - A denúncia do contrato, nos termos dos n.ºs 3 e 4, produz efeitos no final de um mês do calendário gregoriano, a contar da comunicação.
6 - A inobservância da antecedência prevista nos números anteriores não obsta à cessação do contrato mas obriga ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta”.
Contudo, o artigo 1110º do Código Civil, na redação introduzida pela Lei 31/2012, de 14 de Agosto, estatui que: “1- As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação.
2- Na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano” (sendo a única alteração introduzida à redação da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro a redução do prazo supletivo de duração do contrato de 10 para 5 anos, o que não tem relevância para a situação em análise, considerando que o contrato foi celebrado por 25 anos).
Assim sendo, o prazo de denúncia (mais concretamente de revogação unilateral) por parte do arrendatário, na falta de disposição das partes nos contratos de arrendamento para fins não habitacionais com prazo certo, não pode ocorrer com uma antecedência inferior a 1 ano, não sendo aplicável a esta situação o disposto no artigo 1098º, n.º 3 do Código Civil, por existir norma específica que regula tal matéria.
De facto, a aplicação supletiva da norma da denúncia prevista no artigo 1098º, n.º 3 do Código Civil “cede em face do disposto no n°2 do art° 1110°; assim, o prazo de denúncia pelo arrendatário previsto no n°3 do art° 1098° é afastado pela disposição específica do n°2 do art° 1110°”, pelo que, “Nos termos do n°2 do art° 1110° C. Civ., desde que nada se encontre previsto no contrato, o arrendatário só pode denunciar o contrato de arrendamento não habitacional "com uma antecedência igual ou superior a um ano" sobre o termo pretendido do contrato”.
Assim sendo, tendo o Réu arrendatário denunciado o contrato em 1 de Novembro de 2014, tal denúncia só poderia produzir efeitos a partir de 1 de Novembro de 2015, pelo que, uma vez que a inobservância do pré-aviso não obsta à cessação do contrato mas obriga ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta, tal como resulta do disposto no artigo 1098º, n.º 6 do Código Civil, na redação introduzida pela Lei 31/2012, de 14 de Agosto, são devidas as rendas até Novembro de 2014, considerando que foram pagas rendas até Maio desse mesmo ano.
Por outro lado, uma vez que a redação do artigo 1110º, n.º 2 do Código Civil introduzida pela Lei 31/2012, de 14 de Agosto em nada alterou a questão do prazo de denúncia do arrendatário aqui em causa, mostra-se prejudicada a apreciação das questões invocadas pelo Réu da violação do princípio da confiança, sendo certo que as partes tinham possibilidade de ter fixado um regime diverso do supletivo e não o fizeram”.
Ora, a verdade é que não podemos deixar de acompanhar o entendimento supra mencionado seguido pela 1.ª instância.
Defendem os recorrentes ser aplicável o regime do art.º 1098.º do C. Civil, pois “o espirito da redação do n.º 2 do artigo citado, prende-se apenas e tão só com os casos de falta de estipulação total sobre o prazo de duração do contrato, na medida em que, o Ordenamento Jurídico Português não pretende que vigorem contratos de arrendamento para fins não habitacionais, sem prazo de duração determinada, daí a necessidade de estatuição do n.º 2”.
Resumindo, a tese dos recorrentes é a de que o disposto no n.º2 do art.º 1110.º do C. Civil, aplica-se, como regra supletiva, apenas aos casos em que as partes não estipularam qualquer prazo de duração do contrato, sendo inaplicável aos contratos em que nada se mencionou quanto à denúncia do contrato (caso em que se aplica o regime para o arrendamento para a habitação previsto no art.º 1098.º, por força da remissão contida no n.º1 do art.º 1110.º).
Dito de outro modo, a interpretação defendida assenta na previsão do n.º1 do art.º 1110.º, sendo que o n.º2 só é aplicável para as hipóteses de não ser convencionado qualquer prazo de duração do contrato de arrendamento, o que não corresponde à situação dos autos, em que foi fixada a duração inicial de 25 anos.
Não acolhemos essa teoria.
Desde logo, porque não decorre do texto legal que a previsão do n.º2 do art.º 1110.º do C. Civil abrange apenas os casos em que as partes não previram a duração do contrato de arrendamento, já que aí apenas se refere “ Na falta de estipulação…”. Esse preceito legal não se refere à duração do contrato, mas à “falta de estipulação”, o que nos remete, de acordo com a boa hermenêutica interpretativa (elemento sistemático) para a previsão do n.º1, ou seja, essa falta de estipulação reporta-se à “duração, denúncia e oposição”.
E não obstante se estabelecer um prazo de 25 nos de duração para o contrato, a verdade é que ele é omisso quanto à “denúncia e oposição à renovação”. Logo, mantém-se o prazo de duração acordado mas quanto à denúncia vigora o prazo supletivo indicado no n.º2 do art.º 1110.º, ou seja, tem de ocorrer com a antecedência não inferior a um ano.
Aliás, não faria sentido que o legislador fixasse esse prazo mínimo (um ano), no caso de ausência apenas para a fixação de prazo de duração do contrato, considerando-o fixado em 10 anos (5 anos na atual redação do n.º2 do art.º 1110.º), e admitir simultaneamente a aplicação do n.º2 (ou 3 e 5, conforme a versão aplicável) do art.º 1098.º do C. Civil, que prevê um prazo de denúncia não inferior a 4 meses para um contrato em que as partes estabeleceram em 10 anos o prazo da sua duração, o que conduziria a uma ilogicidade do sistema jurídico e incompreensível desigualdade de soluções jurídicas.
Como refere Gravato Morais, in “Novo Regime do Arrendamento Comercial”, 3.ª Edição, pág. 293, contrariamente ao prazo de 120 dias previsto para o arrendamento habitacional, pretende-se com o prazo referido no n.º2 do art.º 1110.º (igual ou superior a um ano), “tutelar os interesses do senhorio, que se encontra assim a coberto de uma cessação contratual num prazo breve ou escasso”.
.É de acolher, pois, a orientação perfilhada pela 1.ª instância, por mais conforme com a letra e o espírito da lei, segundo a qual o n.º2 do art.º 1110.º do C. Civil, ao estabelecer a antecedência mínima de 1 ano para a denúncia por parte do arrendatário, nos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, é aplicável quer as partes hajam fixado expressamente prazo de duração do contrato, mas nada disseram quanto à denúncia, quer nos casos em as partes não fixaram qualquer prazo de duração do contrato.
Aliás, esse tem sido o caminho seguido pelo tribunal da Relação do Porto, nos seus Acórdãos de 29/01/2013 (Vieira e cunha) [1] e de 4/7/2013 ( Pedro Lima Costa) [2], mencionados na decisão recorrida.
Interpretação defendida igualmente pela Prof.ª Maria Ondina Garcia, in “Arrendamento Urbano Anotado”, Regime Substantivo e Processual, Maio de 2013, 2.ª Edição, pág. 84, onde sublinha: “ Porém, já o prazo de denúncia previsto no n.º3 do art.º 1098.º não terá aqui aplicação, por ser afastado pela disposição específica do n.º2 do art.º 1110.º”. No mesmo sentido, o Prof. Menezes Leitão, in “Arrendamento Urbano”, 5.ª ed., pág. 176 e nota 162.
Acresce que, como se demonstra na decisão recorrida, a redação dada ao n.º2, do art.º 1110.º, do C. Civil, pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, não altera a solução jurídica, por manter o prazo não inferior a um ano para o exercício da denúncia, limitando-se apenas a reduzir de 10 para 5 anos o prazo supletivo de duração do contrato de arrendamento.
Finalmente, sendo inaplicável o regime previsto no art.º 1098.º do C. Civil, carece de sentido a discussão suscitada pelos recorrentes, nomeadamente quanto à questão de saber qual a sua versão aplicável - a redação primitiva ( em vigor à data da celebração do contrato) ou a introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto ( em vigor à data do exercício da denúncia).
No caso dos autos as partes nada estipularam no contrato em matéria de denúncia, pelo que o contrato em causa devia ter sido denunciado com a antecedência mínima de 1 ano.
Tendo o Réu arrendatário denunciado o contrato em 1 de Novembro de 2014, a mesma só poderia produzir efeitos a partir de 1 de Novembro de 2015, razão pela qual o desrespeito desse pré-aviso não impede a cessação do contrato mas obriga o arrendatário ao pagamento do valor das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta, nos precisos termos do n.º6, do art.º 1098º, do Código Civil, na redação introduzida pela Lei 31/2012, de 14 de Agosto.
E tendo o arrendatário pago as rendas até maio desse ano, são devidas as rendas correspondentes ao período em falta - até Novembro de 2014 - , ou seja, 6 meses de renda, o que corresponde à quantia em que foi condenado na decisão recorrida.
Decorrentemente, é de manter a decisão recorrida, a qual não qualquer merece censura, o que conduz à improcedência dos recursos (principal e subordinado).
Vencidos nos recursos, suportarão os apelantes as custas devidas – art.º 527.º/1 e 2 do C. P. Civil.
***
IV. Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.
É de acolher a orientação, por mais conforme à letra e ao espírito da lei, segundo a qual o n.º 2, do art.º 1110.º, do C. Civil, ao estabelecer a antecedência mínima de 1 ano para a denúncia, por parte do arrendatário, nos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, é aplicável quer as partes hajam fixado expressamente prazo de duração do contrato, mas nada disseram quanto à denúncia, quer nos casos em as partes não fixaram qualquer prazo de duração do contrato.
***
V. Decisão.
Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida.
Custas das apelações pelos recorrentes.   
Évora, 2016/10/20
Tomé Ramião
José Tomé de Carvalho
Mário Coelho

_________________________________________________
[1] ([1]) Proferido no Proc. n.º 27/11.7TBPRD.P1, disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se lê: “I - No caso dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, com prazo certo, como é o caso do arrendamento dos autos, em matéria da chamada "denúncia" do contrato pelo arrendatário e na falta de estipulação das partes, aplica-se o disposto no art° 1098° n°3 C. Civ, que rege quanto ao arrendamento para habitação, ex vi art° 1110° n°1. II - Tal aplicação supletiva, porem, cede em face do disposto no n°2 do art° 1110°; assim, o prazo de denúncia pelo arrendatário previsto no n°3 do art° 1098° e afastado pela disposição específica do n°2 do art° 1110°. III - Nos termos do n°2 do art° 1110° C. Civ., desde que nada se encontre previsto no contrato, o arrendatário só pode denunciar o contrato de arrendamento não habitacional "com uma antecedência igual ou superior a um ano" sobre o termo pretendido do contrato.

[2] ([1]) Proferido no Proc. n.º 1477/12.7TJPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt: “No contrato de arrendamento urbano para fim não habitacional em que as partes estabelecem prazo certo de duração do contrato mas não estabelecem a antecedência mínima que o arrendatário tem de respeitar quando pretende denunciar o contrato dentro daquele prazo de duração, vigora o disposto no art. 1110 nº 2 do Código Civil, sendo aquela antecedência mínima de 1 ano em relação ao termo pretendido para o contrato”.

segunda-feira, 2 de abril de 2018

REVOGAÇÃO DO MANDATO

Collado

Quando o autor, em causa sujeita a patrocínio judicial obrigatório, revoga a procuração ao seu advogado é-lhe dado prazo para constituir novo mandatário ou suspende-se a instância?

A Relação de Coimbra opta pela segunda hipótese!

Acórdãos TRC - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo: 3289/09.6T2AGD.C1      
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: MANDATO JUDICIAL |CESSAÇÃO |AUTOR |SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA |ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA       
Data do Acordão: 14-02-2012 |Votação:   UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:         COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE MÉDIA E PEQ. INST. CÍVEL DE ÁGUEDA
Meio Processual:  APELAÇÃO | Decisão:   REVOGADA
Legislação Nacional:      ARTºS 33º E 39º DO CPC
        
Sumário:    I – Entre as causas de cessação do mandato contam-se a renúncia pelo mandatário (artº 1170 do CC) e a revogação pelo mandante, sendo que, quer a renúncia da procuração, quer a revogação desta implicam a revogação do mandato (artº 1179 do CC).
II - Cessado, nos termos do artº 39º do CPC, o mandato do advogado que representava o autor no processo, quer na génese dessa cessação tenha estado a renúncia, quer tenha estado a revogação operada pela parte, a consequência da falta de constituição tempestiva de novo mandatário é a da suspensão da instância.

III – Se ao réu lhe interessar que o processo prossiga, não vendo como prejudicial ao seu interesse uma eventual absolvição da instância, ou arriscando uma decisão de mérito, poderá requerer, para superar a suspensão da instância motivada pela demora do autor em constituir novo mandatário, que este seja notificado para o constituir dentro do prazo que for fixado (artº 284º, nº 3 do CPC).

IV – A falta de constituição dentro deste prazo tem os mesmos efeitos que a falta de constituição inicial, ou seja, será o réu, só então, absolvido da instância, de acordo com o disposto no artº 33º do CPC.
        
Decisão Texto Integral:  Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

A) - 1) - O “CONSELHO DIRECTIVO DOS BALDIOS DE B…”, com sede no Concelho de …, intentou, em 12/05/2009, no Juízo de Média e Pequena Instância Cível da Comarca do Baixo Vouga (Águeda), acção declarativa, de condenação, sob a forma de processo sumário, contra a Câmara Municipal de … e “D…, S.A.”, pedindo a condenação dos RR:
- a) a reconhecerem que ao A. e só ao A., pertence a administração e gestão dos prédios descritos no artigo 1º da petição;
- b) a retirarem desses prédios os entulhos e as plantações que aí colocaram;
- c) a reconhecerem que, com tais actos, causaram prejuízos ao A.;
- d) a pagarem ao A. os prejuízos que se viessem a liquidar em execução de sentença;
- e) a absterem-se de praticar quaisquer actos ou factos que violem e ofendam o direito de administração e gestão do A. sobre tais prédios.

2) Contestaram as Rés…

3) - Por despacho de 08/10/2009, alterou-se o valor da acção e, uma vez que esta, por via disso, passava a correr os termos da forma de processo ordinário, determinou-se a remessa dos autos aos Juízos de Grande Instância Cível de Anadia;

4) - Já no Juízo de Grande Instância Cível de Anadia (Juiz 1), realizou-se, sem êxito, uma tentativa de conciliação (fls. 273);

5) - Por requerimento entrado em juízo em 14/06/2011, veio o Autor, simultaneamente, desistir da instância e revogar a procuração que outorgara à Exma. Sr.ª Dr.ª C…, sua advogada nos autos;

6) - Por despacho de 15/06/2011, determinou-se, com fundamento na circunstância de a desistência ter sido apresentada depois de oferecida contestação, que se notificassem os RR para darem o seu assentimento à desistência, nos termos do artº 296, nº 1, do CPC;

7) - Na sequência dessa notificação a Ré “D…, S.A.” veio declarar que aceitava a desistência apresentada pelo Autor (fls. 282), enquanto que a Ré Câmara Municipal de …, veio declarar que não aceitava tal desistência (fls. 278).

8) - A fls. 285 veio o Autor, referindo a notificação que lhe fora efectuada para constituir novo advogado, requerer que fosse apreciada a desistência apresentada e que, só depois, no caso desta não proceder, fosse obrigado a constituir novo advogado.

9) - Em 27/06/2011 foi proferido despacho, negando, em face da oposição da Câmara Municipal de …, a homologação da referida desistência da instância.

Determinou-se, ainda, nesse despacho, que os autos aguardassem o prazo para o autor constituir novo mandatário, atenta a revogação do mandato anteriormente conferido.

10) - Por despacho de 12/09/2011, fazendo referência ao artº 33º do CPC, determinou-se que, em virtude de não ter constituído novo mandatário, o Autor fosse notificado para o fazer em dez dias, sob pena de os Réus serem absolvidos da instância.

11) - Em 03/10/2011 (fls. 288) foi proferido o seguinte despacho: «Uma vez que o Autor renunciou à procuração e não constituiu novo advogado no prazo legal, não obstante notificado para tal, nos termos e para efeitos do disposto no art.º 33.ºdo C.P.C., sendo os presentes autos de patrocínio obrigatório, absolvo os Réus da instância, nos termos do supra referido art.º 33.º do C.P.C., por entender que ao caso não é aplicável a suspensão da instância prevista na primeira parte do art.º 39.º, n.º 3 do mesmo diploma, que diz respeito aos efeitos da renúncia e não da revogação do mandato.».

B) - Deste despacho, de 03/10/2011, apelou a Câmara Municipal de …, que, na respectiva alegação de recurso, ofereceu as seguintes conclusões:
Terminou defendendo a procedência do recurso e a revogação do despacho impugnado, pugnando para que este fosse substituído por decisão que se limitasse, ao abrigo do disposto no artigo 39º, nº 3, do CPC, a ordenar a suspensão da instância.

C) - Em face do disposto nos art.ºs 684º, n.º 3 e 685-Aº, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC)[1], o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões de que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 660, n.º 2., “ex vi” do art.º 713, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que o Tribunal pode ou não abordar, consoante a utilidade que veja nisso (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586[2]).

Assim, a questão a solucionar resume-se a saber se, em processo em que é obrigatória a constituição de advogado, caso o Autor, após os articulados, revogue o mandato conferido ao advogado que o representava, sem o substituir por um outro mandatário, apesar de, para tal, ter sido notificado e ter-lhe sido conferido prazo, é de absolver o Réu da instância, nos termos do artº 33º, do CPC, ou, tal como defende a Apelante, é de suspender a instância.

D) - 1) - O circunstancialismo processual e os factos a considerar na decisão a proferir estão enunciados em A) - “supra”.

2) - Entre outros casos, é obrigatória a constituição de advogado nas causas de competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário (artº 32º, nº 1, a), do CPC), o que sucede na presente acção.

Entre as causas de cessação do mandato contam-se a renúncia pelo mandatário (artº 1170 do CC) e a revogação pelo mandante, sendo que, quer a renúncia da procuração, quer a revogação desta (que foi o que sucedeu no caso “sub judice”), implicam a revogação do mandato (artº 1179 do CC).

Sob a epígrafe “Falta de constituição de advogado”, o artº 33º do CPC estabelece: «Se a parte não constituir advogado, sendo obrigatória a constituição, o tribunal, oficiosamente ou a requerimento da parte contrária, fá-la-á notificar para o constituir dentro de prazo certo, sob pena de o réu ser absolvido da instância, de não ter seguimento o recurso ou de ficar sem efeito a defesa.».

Já o artº 39º, do CPC, sob a epígrafe “Revogação e renúncia do mandato” preceitua nos seus nºs 1, 2 e 3:

«1 - A revogação e a renúncia do mandato devem ter lugar no próprio processo e são notificadas, tanto ao mandatário ou ao mandante, como à parte contrária.

2 - Os efeitos da revogação e da renúncia produzem-se a partir da notificação, sem prejuízo do disposto nos números seguintes; a renúncia é pessoalmente notificada ao mandante, com a advertência dos efeitos previstos no n.º 3.

3 - Nos casos em que é obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias, suspende-se a instância, se a falta for do autor; se for do réu, o processo segue os seus termos, aproveitando-se os actos anteriormente praticados pelo advogado.».

Diz o Apelante que o artº 33º apenas é aplicável aos casos de patrocínio obrigatório em que, “ab initio”, a parte não se fez representar por advogado, defendendo que a solução do nº 3 do artº 39º vale também para a hipótese de a parte, tendo constituído mandatário, venha a revogar-lhe o mandato sem que, depois, o substitua por um outro, para a representar no processo.

A solução do artº 39º implica, tanto para o Réu, como para o Autor, o aproveitamento do processado pelo respectivo mandatário judicial anteriormente ao momento em que ocorreu a renúncia e, de facto, porque a parte que procedeu a tal renúncia até então estava devidamente patrocinada em juízo, não se vislumbram razões para não tomar como válidos e eficazes os actos praticados até então pelo respectivo mandatário. Assim, coerentemente, à falta de outra indicação da lei, só para futuro tem repercussões a falta da tempestiva constituição de advogado subsequente à cessação do mandato, por renúncia, do advogado que, até então, representava a parte.

Efectivamente, suspendendo-se a instância - que assim permanecerá, nos termos que adiante se explicitarão - ficam intocados os actos praticados pelo mandatário que representava o autor até à cessação do mandato por renúncia.

No caso de a falta de constituição de novo mandatário ser do Réu, embora o processo prossiga, pois o impulso processual cabe ao Autor e não estaria certo que uma falta daquele obstaculizasse o desiderato prosseguido na acção por este, aproveitam-se os actos anteriormente praticados pelo seu advogado.

Já as consequências fixadas no artº 33º, são mais graves, não implicando qualquer aproveitamento do processado pela parte relativamente à qual se verifique a falta que aí se comina.

Assim, por exemplo, ainda que, por hipótese, o réu, tendo oferecido contestação, não haja impugnado os factos essenciais à procedência do pedido do autor, o funcionamento, relativamente a este, do disposto no artº 33º, impondo a absolvição do réu da instância, obsta a que se considerem admitidos por acordo (artº 490º, nº2, do CPC) aqueles factos narrados na petição.

No mesmo sentido, ainda que o autor não responda a uma excepção peremptória que haja sido suscitada pelo réu na contestação (artº 505º do CPC), o funcionamento, relativamente a este, do disposto no artº 33º implicará que não possa tirar partido dessa omissão do Autor, pois que a defesa fica sem efeito.

Assim, a aplicação do disposto no artº 33º, implicando sanções graves, mas proporcionados ao caso em que a parte litigou “ab initio” sem constituir mandatário, não se adequa, em princípio, quer pela regularidade dos actos praticados pelo mandatário da parte, quer pela gravidade daquelas sanções, à hipótese em que esta, tendo constituído mandatário judicial que praticou em seu nome os actos processuais necessários, a dado momento deixa de estar em juízo assim representada, designadamente, por não ter constituído novo advogado tempestivamente, após ter cessado, por renúncia, o mandato daquele que até então a patrocinava.[3] Neste caso o ajustado é a solução que a lei consagra no artº 39º do CPC, suspendendo-se a instância, se a falta for do Autor, ou seguindo o processo os seus termos, se a falta for do Réu, com aproveitamento dos actos anteriormente praticados pelo seu advogado.

Ora, tirando a especificidade da notificação que se refere no nº 3 do artº 39º, o regime aí previsto para o caso da renúncia, ajusta-se, por identidade de razões, à hipótese em que a parte não constitui novo advogado depois de ter revogado o mandato àquele que a representava no processo.

Assim, não faz sentido, salvo o devido respeito, defender, para o caso de o mandato ter cessado por ter sido revogado pela parte, solução diferente, quanto ao efeito processual, daquela que expressamente está consignada no artº 39, nº 3, no caso de cessação do mandato por renúncia.

Não tem sentido, de facto, que, em caso de não constituição de novo mandatário após renúncia ao mandato de advogado que ofereceu contestação, se aproveite este articulado, como expressamente resulta do nº 3 do artº 39, mas, em idêntica situação, de falta de constituição de novo mandatário, embora que subsequente a revogação do mandato por parte do réu, fique sem efeito tal defesa, validamente apresentada (solução do artº 33).

Depois, a aplicação do disposto no artº 33º a situações como as que ora se analisam pode dar origem a resultados práticos que o legislador nitidamente não pretendeu.

Vejamos.

Como se sabe, a desistência da instância, tendo como efeito fazer cessar o processo depende de aceitação do réu, caso seja concretizada após o oferecimento da contestação (cfr. art. 296º do CPC).

E esta exigência da aceitação do réu explica-se pelo facto de a desistência da instância poder trazer a este desvantagens em relação ao que seria o resultado de um julgamento de mérito.

O Prof. Alberto dos Reis, defendendo que o réu adquire o direito de fazer proferir sentença sobre o fundo da controvérsia, sobre a relação jurídica substancial, não sendo lícito ao autor por simples acto da sua vontade, extinguir unicamente a instância, explica a apontada exigência de aceitação do Réu, comentando assim o preceito equivalente do Código de 39 (artº 301º)[4]: «Que por mero acto do autor se extinga a acção ou o direito substancial, é perfeitamente compreensível, pois que, em tal caso, nenhum prejuízo sofre o réu. O autor não pode demandá-lo novamente. Mas que seja permitido ao autor pôr termo somente à instância sem a anuência do réu, eis o que representaria o sacrifício injustificado da posição jurídica deste no processo. A instância extinguir-se-ia pela desistência do autor para, logo a seguir, se iniciar de novo pela proposição de segunda acção sobre o mesmo objecto. O réu ver-se-ia, assim, privado, por acto arbitrário do autor, do direito de fazer decidir a lide no primeiro processo; e isso poderia traduzir-se na perda de vantagens processuais de grande alcance.
Se o autor pretende desistir unicamente da instância, conservando intacto o direito de repropor a acção, é porque se sente mal colocado no processo em consequência de omissão grave ou de erro de orientação susceptível de comprometer o êxito da causa. Convém-lhe, pois, deitar abaixo o processo mediante a desistência para recomeçar, a seguir, em melhores condições.
Mas precisamente por isso a desistência será um acto prejudicial ao réu. Dai a exigência do consentimento deste.».

Ora, o que se passou no presente caso foi, precisamente, que o Autor, depois de ver recusada a homologação, face à oposição do ora Apelante à desistência da instância que apresentara depois dos articulados, veio revogar o mandato à sua advogada e, não obstante ter sido notificado para o efeito, não constituiu novo mandatário, logrando, em consequência disso, que o Tribunal se decidisse pela absolvição dos RR da instância, nos termos do citado artº 33º, assim tendo conseguido que - malgrado já não poder dispor da relação processual sem a anuência da parte contrária - por sua exclusiva iniciativa e sem qualquer condicionante, o processo findasse sem decisão sobre o mérito.[5]

O regime não pode ser este, que beneficia o infractor (da demora em constituir mandatário), sob a aparente capa de uma vitória processual dos RR.

É claro que há diferenças a considerar entre a renúncia por parte do mandatário e a revogação operada pelo mandante, no que concerne ao procedimento da respectiva notificação, bem assim como à ocasião a partir da qual o mandante deve constituir novo mandatário.

No caso da renúncia, uma vez que esta é da iniciativa do mandatário, é razoável que, depois de notificada a mesma ao mandante e de se concretizar a produção dos efeitos da cessação do mandato, se dê à parte um determinado prazo para que supra a falta de patrocínio por advogado.

O mesmo não se pode dizer do caso em que a parte revoga o mandato do advogado que a representa no processo, pois é ela que toma a iniciativa de cessar o mandato, sendo seu dever, sabendo da obrigatoriedade do patrocínio, constituir logo novo mandatário judicial,[6] pelo menos assim que comprovada no processo a notificação da revogação ao advogado que a representava.

O que se visa com a solução consignada no nº 3 do artº 39º, do CPC, é, mantendo os actos validamente já praticados pelo advogado cujo mandato cessou por uma das causas previstas no artigo, não comprometer logo a finalidade de o processo dirimir a controvérsia substancial posta na demanda, não obstante a impossibilidade de o mandante praticar actos processuais sem ser por intermédio de advogado que o represente.

E as razões que estão subjacentes a essa solução expressamente consignada para a renúncia, que, acentue-se, é uma resposta da lei à falta de substituição, pela parte, do advogado cujo mandato assim cessou, são exactamente as mesmas que justificam a aplicação dessa mesma solução em caso da mesma falta ocorrer subsequentemente à cessação do mandato por revogação.

A falta de patrocínio por advogado, emergente da cessação, por revogação do mandato conferido ao advogado que representava a parte, é situação paralela àquela que para a renúncia está expressamente consagrada no nº 3 do artº 39º do CPC, reclamando, a unidade do sistema jurídico, que se aplique, àquela situação, solução semelhante à que se encontra consignada neste preceito.

Assim, afigurando-se-nos que o texto ficou aquém do espírito da norma, através de recurso à interpretação extensiva conferir-se-á o correcto alcance daquele dispositivo, ao integrar-se, quanto aos efeitos processuais que nele se prevêem, por identidade de razão, também a hipótese de a cessação do mandato judicial ter decorrido da revogação do mesmo.

Os elementos extra-literais acima apontados, designadamente a “ratio legis” das normas dos artº 33º e 39º, do CPC, levam a que, na sequência de uma interpretação lógica, que não se cinja ao elemento gramatical do texto da lei, se entenda que a regulação da falta de patrocínio por advogado, emergente da cessação, por revogação do mandato conferido ao advogado que representava a parte no processo, levada a cabo nos termos do art.º 39º do CPC, não se encontra abrangida na previsão desse artº 33º, mas antes abarcada, quanto aos respectivos efeitos processuais, na norma do nº 3 do referido artº 39º, interpretada extensivamente.

Assim, cessado, nos termos do artº 39º, o mandato do advogado que representava o Autor no processo, quer na génese dessa cessação tenha estado a renúncia, quer tenha estado a revogação operada pela parte, a consequência da falta de constituição tempestiva de novo mandatário é a da suspensão da instância.

Neste sentido já decidiu o Supremo Tribunal Administrativo (2ª Secção), no Acórdão de 12/07/2011 (Processo nº 0975/11)[7], onde se consignou: «…em caso de revogação ou renúncia do mandato é de aplicar a norma do art. 39°, do CPC, o que determina que sendo do lado do autor a inércia na constituição de novo mandatário conduz à suspensão da instância de acordo com a disposição do n° 3 de tal preceito.».

Perguntar-se-á: E a instância ficará suspensa até quando o Autor quiser, ou seja, até quando, antes de decorrido o prazo da respectiva deserção, o autor se resolver a constituir novo mandatário (o que poderá nunca vir a ocorrer), ficando o réu com o resultado da lide pendente, qual “espada de Dâmocles”?

Tudo depende da conduta que o réu tomar, após ponderar o que melhor lhe convém no caso. Se não lhe interessar uma decisão de mérito, nem uma eventual absolvição da instância, nada fará, aguardando que o Autor constitua novo mandatário ou, então, que ocorra a deserção da instância.

Se lhe interessar que o processo prossiga, não vendo como prejudicial ao seu interesse uma eventual absolvição da instância, ou arriscando uma decisão de mérito, poderá requerer, para superar a suspensão da instância motivada pela demora do Autor em constituir novo mandatário, que este seja notificado para o constituir dentro do prazo que for fixado (artº 284º, nº 3, do CPC).

Efectivamente, o citado artº 284º, nº 3, aplicável a todas as situações em que a instância esteja suspensa a aguardar que a parte constitua novo advogado, preceitua: “Se a parte demorar a constituição de novo advogado, pode qualquer outra parte requerer que seja notificada para o constituir dentro do prazo que for fixado. A falta de constituição dentro deste prazo tem os mesmos efeitos que a falta de constituição inicial.”.

O Professor Alberto dos Reis, escrevendo a propósito da disposição do CPC de 39, equivalente ao actual 284º nº 3 (artº § 2º do artº 289º), adverte assim da impossibilidade de, ao contrário daquilo que sucede ao abrigo do artº 33º do CPC, o juiz ordenar oficiosamente a notificação prevista no preceito[8]: «Atente-se, porém, em que o § 2. do artigo 289.º faz depender de requerimento da parte a notificação e tanto o artigo 33.º como a alínea e) do artigo 499.º dizem respeito a situação completamente diferente daquela que estamos considerando. Aqui trata-se de reagir contra a negligência da parte; a instância está suspensa, porque a parte se demora a constituir novo advogado; procura-se exercer pressão sobre a parte negligente para que ela se apresse a passar procuração a outro advogado.

No caso do artigo 33.º e do § 2.º do artigo 499º trata-se de pôr cobro a uma ilegalidade, de corrigir uma falta que se cometeu. Os articulados não deviam ter sido recebidos; foram-no indevidamente; o processo chegou ao despacho saneador, porque não se deu cumprimento à lei processual; pretende-se remediar o erro praticado; compreende-se, pois, que se atribuísse ao juiz o poder de intervir oficiosamente.».

Subsequentemente a ser requerido que seja fixado prazo, nos termos do preceito acima reproduzido, uma de duas hipóteses pode ocorrer: Ou o autor, em prazo, constitui novo mandatário, cessando a suspensão da instância e retomando os autos os seus ulteriores termos, ou, se assim não proceder, uma vez que a lei expressamente estabelece que esta situação produz os mesmos efeitos que a falta de constituição inicial de advogado (último parágrafo do citado nº 3), será o Réu, então sim, absolvido da instância, de acordo com o disposto no artº 33º do CPC.

Mas esta absolvição da instância não resulta, automaticamente, como se viu, da falta de constituição de novo advogado, logo após produzir efeitos a cessação do mandato conferido pelo autor àquele que o patrocinava nos autos, mas sim da demora nessa constituição após a suspensão da instância e dependendo de requerimento a fixar prazo para o efeito, já que, como se infere do que acima se disse, o procedimento do artº 284, nº 3, não pode ser desencadeado oficiosamente.

Daqui resulta, já se vê, como efeito prático, que a absolvição da instância do Réu, ao contrário daquilo que sucedeu em consequência do entendimento seguido no Tribunal “a quo”, não fica ao livre e exclusivo arbítrio do Autor, não lhe bastando, para assim por termo ao processo, revogar a procuração ao seu advogado e não o substituir por um novo mandatário.

Do exposto resulta que importa revogar o despacho impugnado e, atendendo a que o Autor, subsequentemente ao procedimento previsto no artº 39º do CPC, deixou de estar representando por advogado, sendo, “in casu”, tal patrocínio obrigatório, determinar a suspensão da instância.

E) - Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a Apelação e, revogando o despacho recorrido, determinar a suspensão da instância.

Custas pelo Apelado (artº 446, nº 1 e 2, 713º, nº 2, 659º, nº 4, do CPC, e artº 6º, nº 2, do RCP), já que a isenção subjectiva de custas prevista no art.º 32º, nº 2, da Lei nº 68/93, de 4/9, foi revogada pelo art. 25º do DL nº 34/2008, de 26/2, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais.[9]

Luís José Falcão de Magalhães (Relator)
Sílvia Maria Pereira Pires
Henrique Ataíde Rosa Antunes

[1]Sendo aqui aplicável o regime de recursos resultante do DL n.º 303/07, de 24/08.
[2]Consultáveis na Internet, através do endereço http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.
[3] Cfr. “infra”, a págs. 12, citação do Prof. Alberto dos Reis.
[4] Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, págs. 469 e 470.
[5] Este resultado não poderia ocorrer à luz da lei italiana, que, embora a haja influenciado, diverge da nossa neste aspecto, já que, desde logo, estabelece expressamente que a revogação e a renúncia não produzem efeito relativamente à parte contrária até que se verifique a substituição do mandatário (art.º 85º do Codice di procedura civile), estipulando, coerentemente (no artº 301) não constituírem causas de interrupção da instância, quer a revogação do mandato, quer a renúncia ao mesmo.
[6] O Código de Processo Civil Brasileiro, por exemplo, consigna expressamente que, “A parte, que revogar o mandato outorgado ao seu advogado, no mesmo ato constituirá outro que assuma o patrocínio da causa.” (art. 44º), outra não sendo a solução apontada no anteprojecto do novo código (art. 99º).
[7] Consultável em “http://www.dgsi.pt/jsta.nsf?OpenDatabase”.
[8] Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, pág. 308.
[9] Assim, Acórdão da Relação do Porto de 13/10/2011 (Apelação nº 20/11.0TBBTC.P1), consultável em “http://www.dgsi.pt/jtrp”.

(sublinhados, letra Bold e itálicos são meus)