Quando
o autor, em causa sujeita a patrocínio judicial obrigatório, revoga a procuração ao seu advogado é-lhe dado
prazo para constituir novo mandatário ou suspende-se a instância?
A
Relação de Coimbra opta pela segunda hipótese!
Acórdãos
TRC - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3289/09.6T2AGD.C1
Nº
Convencional: JTRC
Relator:
FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: MANDATO JUDICIAL |CESSAÇÃO |AUTOR |SUSPENSÃO DA
INSTÂNCIA |ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
Data
do Acordão: 14-02-2012 |Votação: UNANIMIDADE
Tribunal
Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA –
JUÍZO DE MÉDIA E PEQ. INST. CÍVEL DE ÁGUEDA
Meio
Processual: APELAÇÃO | Decisão: REVOGADA
Legislação
Nacional: ARTºS 33º E 39º DO CPC
Sumário: I – Entre as causas de cessação do mandato
contam-se a renúncia pelo mandatário (artº 1170 do CC) e a revogação pelo
mandante, sendo que, quer a renúncia da
procuração, quer a revogação desta implicam a revogação do mandato (artº 1179
do CC).
II
- Cessado, nos termos do artº 39º do
CPC, o mandato do advogado que representava o autor no processo, quer na génese
dessa cessação tenha estado a renúncia, quer tenha estado a revogação operada
pela parte, a consequência da falta de constituição tempestiva de novo mandatário
é a da suspensão da instância.
III
– Se ao réu lhe interessar que o
processo prossiga, não vendo como prejudicial ao seu interesse uma eventual
absolvição da instância, ou arriscando uma decisão de mérito, poderá requerer, para superar a suspensão
da instância motivada pela demora do autor em constituir novo mandatário, que
este seja notificado para o constituir dentro do prazo que for fixado (artº
284º, nº 3 do CPC).
IV
– A falta de constituição dentro deste prazo tem os mesmos efeitos que a falta
de constituição inicial, ou seja, será o réu, só então, absolvido da instância,
de acordo com o disposto no artº 33º do CPC.
Decisão
Texto Integral: Acordam no Tribunal da
Relação de Coimbra:
A)
- 1) - O “CONSELHO DIRECTIVO DOS BALDIOS DE B…”, com sede no Concelho de …,
intentou, em 12/05/2009, no Juízo de Média e Pequena Instância Cível da Comarca
do Baixo Vouga (Águeda), acção declarativa, de condenação, sob a forma de
processo sumário, contra a Câmara Municipal de … e “D…, S.A.”, pedindo a
condenação dos RR:
-
a) a reconhecerem que ao A. e só ao A., pertence a administração e gestão dos
prédios descritos no artigo 1º da petição;
-
b) a retirarem desses prédios os entulhos e as plantações que aí colocaram;
-
c) a reconhecerem que, com tais actos, causaram prejuízos ao A.;
-
d) a pagarem ao A. os prejuízos que se viessem a liquidar em execução de
sentença;
-
e) a absterem-se de praticar quaisquer actos ou factos que violem e ofendam o
direito de administração e gestão do A. sobre tais prédios.
2)
Contestaram as Rés…
3)
- Por despacho de 08/10/2009, alterou-se o valor da acção e, uma vez que esta,
por via disso, passava a correr os termos da forma de processo ordinário,
determinou-se a remessa dos autos aos Juízos de Grande Instância Cível de
Anadia;
4)
- Já no Juízo de Grande Instância Cível de Anadia (Juiz 1), realizou-se, sem
êxito, uma tentativa de conciliação (fls. 273);
5)
- Por requerimento entrado em juízo em 14/06/2011, veio o Autor,
simultaneamente, desistir da instância e revogar a procuração que outorgara à
Exma. Sr.ª Dr.ª C…, sua advogada nos autos;
6)
- Por despacho de 15/06/2011, determinou-se,
com fundamento na circunstância de a desistência ter sido apresentada depois de
oferecida contestação, que se notificassem os RR para darem o seu assentimento
à desistência, nos termos do artº 296, nº 1, do CPC;
7)
- Na sequência dessa notificação a Ré “D…, S.A.” veio declarar que aceitava a
desistência apresentada pelo Autor (fls. 282), enquanto que a Ré Câmara
Municipal de …, veio declarar que não aceitava tal desistência (fls. 278).
8)
- A fls. 285 veio o Autor, referindo a notificação que lhe fora efectuada para
constituir novo advogado, requerer que fosse apreciada a desistência apresentada
e que, só depois, no caso desta não proceder, fosse obrigado a constituir novo
advogado.
9)
- Em 27/06/2011 foi proferido despacho, negando, em face da oposição da Câmara
Municipal de …, a homologação da referida desistência da instância.
Determinou-se,
ainda, nesse despacho, que os autos aguardassem o prazo para o autor constituir
novo mandatário, atenta a revogação do mandato anteriormente conferido.
10)
- Por despacho de 12/09/2011, fazendo referência ao artº 33º do CPC,
determinou-se que, em virtude de não ter constituído novo mandatário, o Autor
fosse notificado para o fazer em dez dias, sob pena de os Réus serem absolvidos
da instância.
11)
- Em 03/10/2011 (fls. 288) foi proferido o seguinte despacho: «Uma vez que o
Autor renunciou à procuração e não constituiu novo advogado no prazo legal, não
obstante notificado para tal, nos termos e para efeitos do disposto no art.º
33.ºdo C.P.C., sendo os presentes autos de patrocínio obrigatório, absolvo os
Réus da instância, nos termos do supra referido art.º 33.º do C.P.C., por
entender que ao caso não é aplicável a suspensão da instância prevista na
primeira parte do art.º 39.º, n.º 3 do mesmo diploma, que diz respeito aos
efeitos da renúncia e não da revogação do mandato.».
B)
- Deste despacho, de 03/10/2011, apelou a Câmara Municipal de …, que, na
respectiva alegação de recurso, ofereceu as seguintes conclusões:
…
Terminou
defendendo a procedência do recurso e a revogação do despacho impugnado,
pugnando para que este fosse substituído por decisão que se limitasse, ao
abrigo do disposto no artigo 39º, nº 3, do CPC, a ordenar a suspensão da
instância.
C)
- Em face do disposto nos art.ºs 684º, n.º 3 e 685-Aº, n.º 1, ambos do Código
de Processo Civil (CPC)[1], o objecto dos recursos delimita-se, em princípio,
pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões de
que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 660, n.º 2., “ex vi” do art.º 713, nº 2, do mesmo
diploma legal.
Não
haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela
solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado,
salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos
que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que o Tribunal pode ou não
abordar, consoante a utilidade que veja nisso (Cfr., entre outros, Ac. do STJ
de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º
07B3586[2]).
Assim,
a questão a solucionar resume-se a saber se, em processo em que é obrigatória a
constituição de advogado, caso o Autor, após os articulados, revogue o mandato
conferido ao advogado que o representava, sem o substituir por um outro
mandatário, apesar de, para tal, ter sido notificado e ter-lhe sido conferido
prazo, é de absolver o Réu da instância, nos termos do artº 33º, do CPC, ou,
tal como defende a Apelante, é de suspender a instância.
D)
- 1) - O circunstancialismo processual e os factos a considerar na decisão a
proferir estão enunciados em A) - “supra”.
2)
- Entre outros casos, é obrigatória a constituição de advogado nas causas de
competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário
(artº 32º, nº 1, a), do CPC), o que sucede na presente acção.
Entre as
causas de cessação do mandato contam-se a renúncia pelo mandatário (artº 1170
do CC) e a revogação pelo mandante, sendo que, quer a renúncia da procuração,
quer a revogação desta (que foi o que sucedeu no caso “sub judice”), implicam a
revogação do mandato (artº 1179 do CC).
Sob
a epígrafe “Falta de constituição de advogado”, o artº 33º do CPC estabelece:
«Se a parte não constituir advogado, sendo obrigatória a constituição, o
tribunal, oficiosamente ou a requerimento da parte contrária, fá-la-á notificar
para o constituir dentro de prazo certo, sob pena de o réu ser absolvido da
instância, de não ter seguimento o recurso ou de ficar sem efeito a defesa.».
Já o artº 39º,
do CPC, sob a epígrafe “Revogação e renúncia do mandato” preceitua nos seus nºs
1, 2 e 3:
«1
- A revogação e a renúncia do mandato devem ter lugar no próprio processo e são notificadas, tanto ao mandatário ou ao
mandante, como à parte contrária.
2
- Os efeitos da revogação e da renúncia
produzem-se a partir da notificação, sem prejuízo do disposto nos números
seguintes; a renúncia é pessoalmente notificada ao mandante, com a advertência
dos efeitos previstos no n.º 3.
3
- Nos casos em que é obrigatória a
constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não
constituir novo mandatário no prazo de 20 dias, suspende-se a instância, se a
falta for do autor; se for do réu, o processo segue os seus termos,
aproveitando-se os actos anteriormente praticados pelo advogado.».
Diz o Apelante
que o artº 33º apenas é aplicável aos casos de patrocínio obrigatório em que,
“ab initio”, a parte não se fez representar por advogado, defendendo que a
solução do nº 3 do artº 39º vale também para a hipótese de a parte, tendo
constituído mandatário, venha a revogar-lhe o mandato sem que, depois, o
substitua por um outro, para a representar no processo.
A solução do
artº 39º implica, tanto para o Réu, como para o Autor, o aproveitamento do
processado pelo respectivo mandatário judicial anteriormente ao momento em que
ocorreu a renúncia e, de facto, porque a parte que procedeu a tal renúncia até
então estava devidamente patrocinada em juízo, não se vislumbram razões para
não tomar como válidos e eficazes os actos praticados até então pelo respectivo
mandatário.
Assim, coerentemente, à falta de outra indicação da lei, só para futuro tem repercussões a falta da tempestiva constituição de
advogado subsequente à cessação do mandato, por renúncia, do advogado que, até
então, representava a parte.
Efectivamente,
suspendendo-se a instância - que assim permanecerá, nos termos que adiante se
explicitarão - ficam intocados os actos praticados pelo mandatário que
representava o autor até à cessação do mandato por renúncia.
No
caso de a falta de constituição de novo mandatário ser do Réu, embora o
processo prossiga, pois o impulso processual cabe ao Autor e não estaria certo
que uma falta daquele obstaculizasse o desiderato prosseguido na acção por
este, aproveitam-se os actos anteriormente praticados pelo seu advogado.
Já as
consequências fixadas no artº 33º, são mais graves, não implicando qualquer
aproveitamento do processado pela parte relativamente à qual se verifique a
falta que aí se comina.
Assim, por
exemplo, ainda que, por hipótese, o réu, tendo oferecido contestação, não haja
impugnado os factos essenciais à procedência do pedido do autor, o
funcionamento, relativamente a este, do disposto no artº 33º, impondo a
absolvição do réu da instância, obsta a que se considerem admitidos por acordo
(artº 490º, nº2, do CPC) aqueles factos narrados na petição.
No mesmo
sentido, ainda que o autor não responda a uma excepção peremptória que haja
sido suscitada pelo réu na contestação (artº 505º do CPC), o funcionamento,
relativamente a este, do disposto no artº 33º implicará que não possa tirar
partido dessa omissão do Autor, pois que a defesa fica sem efeito.
Assim,
a aplicação do disposto no artº 33º, implicando sanções graves, mas
proporcionados ao caso em que a parte litigou “ab initio” sem constituir mandatário, não se adequa, em princípio,
quer pela regularidade dos actos praticados pelo mandatário da parte, quer pela
gravidade daquelas sanções, à hipótese em que esta, tendo constituído
mandatário judicial que praticou em seu nome os actos processuais necessários,
a dado momento deixa de estar em juízo assim representada, designadamente, por
não ter constituído novo advogado tempestivamente, após ter cessado, por
renúncia, o mandato daquele que até então a patrocinava.[3] Neste caso o ajustado é a solução que a lei consagra
no artº 39º do CPC, suspendendo-se a instância, se a falta for do Autor, ou
seguindo o processo os seus termos, se a falta for do Réu, com aproveitamento
dos actos anteriormente praticados pelo seu advogado.
Ora,
tirando a especificidade da notificação que se refere no nº 3 do artº 39º, o
regime aí previsto para o caso da renúncia, ajusta-se, por identidade de
razões, à hipótese em que a parte não constitui novo advogado depois de ter
revogado o mandato àquele que a representava no processo.
Assim,
não faz sentido, salvo o devido
respeito, defender, para o caso de o mandato ter cessado por ter sido revogado
pela parte, solução diferente, quanto ao efeito processual, daquela que
expressamente está consignada no artº 39, nº 3, no caso de cessação do mandato
por renúncia.
Não
tem sentido, de facto, que, em caso de não constituição de novo mandatário após
renúncia ao mandato de advogado que ofereceu contestação, se aproveite este
articulado, como expressamente resulta do nº 3 do artº 39, mas, em idêntica
situação, de falta de constituição de novo mandatário, embora que subsequente a
revogação do mandato por parte do réu, fique sem efeito tal defesa, validamente
apresentada (solução do artº 33).
Depois,
a aplicação do disposto no artº 33º a
situações como as que ora se analisam pode dar origem a resultados práticos que
o legislador nitidamente não pretendeu.
Vejamos.
Como
se sabe, a desistência da instância,
tendo como efeito fazer cessar o processo depende de aceitação do réu, caso
seja concretizada após o oferecimento da contestação (cfr. art. 296º do CPC).
E
esta exigência da aceitação do réu explica-se pelo facto de a desistência da
instância poder trazer a este desvantagens em relação ao que seria o resultado
de um julgamento de mérito.
O
Prof. Alberto dos Reis, defendendo
que o réu adquire o direito de fazer proferir sentença sobre o fundo da
controvérsia, sobre a relação jurídica substancial, não sendo lícito ao autor
por simples acto da sua vontade, extinguir unicamente a instância, explica a
apontada exigência de aceitação do Réu, comentando assim o preceito equivalente
do Código de 39 (artº 301º)[4]: «Que por
mero acto do autor se extinga a acção ou o direito substancial, é perfeitamente
compreensível, pois que, em tal caso, nenhum prejuízo sofre o réu. O autor não pode
demandá-lo novamente. Mas que seja
permitido ao autor pôr termo somente à instância sem a anuência do réu, eis o
que representaria o sacrifício injustificado da posição jurídica deste no
processo. A instância extinguir-se-ia pela desistência do autor para, logo
a seguir, se iniciar de novo pela proposição de segunda acção sobre o mesmo
objecto. O réu ver-se-ia, assim,
privado, por acto arbitrário do autor, do direito de fazer decidir a lide no
primeiro processo; e isso poderia traduzir-se na perda de vantagens processuais
de grande alcance.
Se o autor
pretende desistir unicamente da instância, conservando intacto o direito de
repropor a acção, é porque se sente mal colocado no processo em consequência de
omissão grave ou de erro de orientação susceptível de comprometer o êxito da
causa. Convém-lhe, pois, deitar abaixo o processo mediante a desistência para
recomeçar, a seguir, em melhores condições.
Mas
precisamente por isso a desistência será um acto prejudicial ao réu. Dai a
exigência do consentimento deste.».
Ora,
o que se passou no presente caso foi, precisamente, que o Autor, depois de ver
recusada a homologação, face à oposição do ora Apelante à desistência da
instância que apresentara depois dos articulados, veio revogar o mandato à sua
advogada e, não obstante ter sido notificado para o efeito, não constituiu novo
mandatário, logrando, em consequência
disso, que o Tribunal se decidisse pela absolvição dos RR da instância, nos
termos do citado artº 33º, assim tendo conseguido que - malgrado já não poder
dispor da relação processual sem a anuência da parte contrária - por sua
exclusiva iniciativa e sem qualquer condicionante, o processo findasse sem
decisão sobre o mérito.[5]
O regime não
pode ser este, que beneficia o infractor (da demora em constituir mandatário),
sob a aparente capa de uma vitória processual dos RR.
É
claro que há diferenças a considerar entre a renúncia por parte do mandatário e
a revogação operada pelo mandante, no que concerne ao procedimento da
respectiva notificação, bem assim como à ocasião a partir da qual o mandante
deve constituir novo mandatário.
No
caso da renúncia, uma vez que esta é da iniciativa do mandatário, é razoável
que, depois de notificada a mesma ao mandante e de se concretizar a produção
dos efeitos da cessação do mandato, se dê à parte um determinado prazo para que
supra a falta de patrocínio por advogado.
O
mesmo não se pode dizer do caso em que a parte revoga o mandato do advogado que
a representa no processo, pois é ela que toma a iniciativa de cessar o mandato,
sendo seu dever, sabendo da obrigatoriedade do patrocínio, constituir logo novo
mandatário judicial,[6] pelo menos assim que comprovada no processo a
notificação da revogação ao advogado que a representava.
O
que se visa com a solução consignada no nº 3 do artº 39º, do CPC, é, mantendo
os actos validamente já praticados pelo advogado cujo mandato cessou por uma
das causas previstas no artigo, não comprometer logo a finalidade de o processo
dirimir a controvérsia substancial posta na demanda, não obstante a
impossibilidade de o mandante praticar actos processuais sem ser por intermédio
de advogado que o represente.
E as razões
que estão subjacentes a essa solução expressamente consignada para a renúncia,
que, acentue-se, é uma resposta da lei à falta de substituição, pela parte, do
advogado cujo mandato assim cessou, são exactamente as mesmas que justificam a
aplicação dessa mesma solução em caso da mesma falta ocorrer subsequentemente à
cessação do mandato por revogação.
A falta de
patrocínio por advogado, emergente da cessação, por revogação do mandato
conferido ao advogado que representava a parte, é situação paralela àquela que
para a renúncia está expressamente consagrada no nº 3 do artº 39º do CPC,
reclamando, a unidade do sistema jurídico, que se aplique, àquela
situação, solução semelhante à que se encontra consignada neste preceito.
Assim,
afigurando-se-nos que o texto ficou aquém do espírito da norma, através
de recurso à interpretação extensiva conferir-se-á o correcto alcance
daquele dispositivo, ao integrar-se, quanto aos efeitos processuais que nele se
prevêem, por identidade de razão, também a hipótese de a cessação do mandato
judicial ter decorrido da revogação do mesmo.
Os
elementos extra-literais acima apontados, designadamente a “ratio legis” das normas
dos artº 33º e 39º, do CPC, levam a que, na sequência de uma interpretação
lógica, que não se cinja ao elemento gramatical do texto da lei, se entenda que
a regulação da falta de patrocínio por
advogado, emergente da cessação, por revogação do mandato conferido ao advogado
que representava a parte no processo, levada a cabo nos termos do art.º 39º do CPC,
não se encontra abrangida na previsão desse artº 33º, mas antes abarcada,
quanto aos respectivos efeitos processuais, na norma do nº 3 do referido artº
39º, interpretada extensivamente.
Assim,
cessado, nos termos do artº 39º, o
mandato do advogado que representava o Autor no processo, quer na génese dessa
cessação tenha estado a renúncia, quer tenha estado a revogação operada pela
parte, a consequência da falta de constituição tempestiva de novo mandatário é
a da suspensão da instância.
Neste
sentido já decidiu o Supremo Tribunal
Administrativo (2ª Secção), no Acórdão de 12/07/2011 (Processo nº
0975/11)[7], onde se consignou: «…em caso
de revogação ou renúncia do mandato é de aplicar a norma do art. 39°, do CPC, o
que determina que sendo do lado do autor a inércia na constituição de novo
mandatário conduz à suspensão da instância de acordo com a disposição do n° 3
de tal preceito.».
Perguntar-se-á:
E a instância ficará suspensa até quando o Autor quiser, ou seja, até quando,
antes de decorrido o prazo da respectiva deserção, o autor se resolver a
constituir novo mandatário (o que poderá nunca vir a ocorrer), ficando o réu
com o resultado da lide pendente, qual “espada
de Dâmocles”?
Tudo
depende da conduta que o réu tomar, após ponderar o que melhor lhe convém no
caso. Se não lhe interessar uma decisão de mérito, nem uma eventual absolvição
da instância, nada fará, aguardando que o Autor constitua novo mandatário ou,
então, que ocorra a deserção da instância.
Se
lhe interessar que o processo prossiga, não vendo como prejudicial ao seu
interesse uma eventual absolvição da instância, ou arriscando uma decisão de
mérito, poderá requerer, para superar a
suspensão da instância motivada pela demora do Autor em constituir novo
mandatário, que este seja notificado para o constituir dentro do prazo que for
fixado (artº 284º, nº 3, do CPC).
Efectivamente,
o citado artº 284º, nº 3, aplicável a todas as situações em que a instância
esteja suspensa a aguardar que a parte constitua novo advogado, preceitua: “Se a parte demorar a constituição de novo
advogado, pode qualquer outra parte requerer que seja notificada para o
constituir dentro do prazo que for fixado. A falta de constituição dentro deste
prazo tem os mesmos efeitos que a falta de constituição inicial.”.
O
Professor Alberto dos Reis,
escrevendo a propósito da disposição do CPC de 39, equivalente ao actual 284º
nº 3 (artº § 2º do artº 289º), adverte assim da impossibilidade de, ao
contrário daquilo que sucede ao abrigo do artº 33º do CPC, o juiz ordenar oficiosamente
a notificação prevista no preceito[8]: «Atente-se,
porém, em que o § 2. do artigo 289.º faz depender de requerimento da parte a
notificação e tanto o artigo 33.º como a alínea e) do artigo 499.º dizem
respeito a situação completamente diferente daquela que estamos considerando.
Aqui trata-se de reagir contra a negligência da parte; a instância está
suspensa, porque a parte se demora a constituir novo advogado; procura-se
exercer pressão sobre a parte negligente para que ela se apresse a passar procuração
a outro advogado.
No caso do
artigo 33.º e do § 2.º do artigo 499º trata-se de pôr cobro a uma ilegalidade,
de corrigir uma falta que se cometeu. Os articulados não deviam ter sido
recebidos; foram-no indevidamente; o processo chegou ao despacho saneador,
porque não se deu cumprimento à lei processual; pretende-se remediar o erro
praticado; compreende-se, pois, que se atribuísse ao juiz o poder de intervir
oficiosamente.».
Subsequentemente
a ser requerido que seja fixado prazo, nos termos do preceito acima
reproduzido, uma de duas hipóteses pode ocorrer: Ou o autor, em prazo,
constitui novo mandatário, cessando a suspensão da instância e retomando os
autos os seus ulteriores termos, ou, se assim não proceder, uma vez que a lei
expressamente estabelece que esta situação produz os mesmos efeitos que a falta
de constituição inicial de advogado (último parágrafo do citado nº 3), será o
Réu, então sim, absolvido da instância, de acordo com o disposto no artº 33º do
CPC.
Mas
esta absolvição da instância não
resulta, automaticamente, como se viu, da falta de constituição de novo
advogado, logo após produzir efeitos a cessação do mandato conferido pelo autor
àquele que o patrocinava nos autos, mas sim da demora nessa constituição após a
suspensão da instância e dependendo de requerimento a fixar prazo para o
efeito, já que, como se infere do que acima se disse, o procedimento do artº
284, nº 3, não pode ser desencadeado oficiosamente.
Daqui
resulta, já se vê, como efeito prático, que a absolvição da instância do Réu,
ao contrário daquilo que sucedeu em consequência do entendimento seguido no
Tribunal “a quo”, não fica ao livre e
exclusivo arbítrio do Autor, não lhe bastando, para assim por termo ao
processo, revogar a procuração ao seu advogado e não o substituir por um novo
mandatário.
Do
exposto resulta que importa revogar o despacho impugnado e, atendendo a que o
Autor, subsequentemente ao procedimento previsto no artº 39º do CPC, deixou de
estar representando por advogado, sendo, “in
casu”, tal patrocínio obrigatório, determinar a suspensão da instância.
E)
- Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em
julgar procedente a Apelação e, revogando o despacho recorrido, determinar a
suspensão da instância.
Custas
pelo Apelado (artº 446, nº 1 e 2, 713º, nº 2, 659º, nº 4, do CPC, e artº 6º, nº
2, do RCP), já que a isenção subjectiva de custas prevista no art.º 32º, nº 2,
da Lei nº 68/93, de 4/9, foi revogada pelo art. 25º do DL nº 34/2008, de 26/2,
que aprovou o Regulamento das Custas Processuais.[9]
Luís
José Falcão de Magalhães (Relator)
Sílvia
Maria Pereira Pires
Henrique
Ataíde Rosa Antunes
[1]Sendo
aqui aplicável o regime de recursos resultante do DL n.º 303/07, de 24/08.
[2]Consultáveis
na Internet, através do endereço http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.
[3]
Cfr. “infra”, a págs. 12, citação do Prof. Alberto dos Reis.
[4]
Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, págs. 469 e 470.
[5]
Este resultado não poderia ocorrer à luz da lei italiana, que, embora a haja
influenciado, diverge da nossa neste aspecto, já que, desde logo, estabelece
expressamente que a revogação e a renúncia não produzem efeito relativamente à
parte contrária até que se verifique a substituição do mandatário (art.º 85º do
Codice di procedura civile), estipulando, coerentemente (no artº 301) não
constituírem causas de interrupção da instância, quer a revogação do mandato,
quer a renúncia ao mesmo.
[6]
O Código de Processo Civil Brasileiro, por exemplo, consigna expressamente que,
“A parte, que revogar o mandato outorgado
ao seu advogado, no mesmo ato constituirá outro que assuma o patrocínio da
causa.” (art. 44º), outra não sendo a solução apontada no anteprojecto do
novo código (art. 99º).
[7]
Consultável em “http://www.dgsi.pt/jsta.nsf?OpenDatabase”.
[8]
Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, pág. 308.
[9]
Assim, Acórdão da Relação do Porto de 13/10/2011 (Apelação nº 20/11.0TBBTC.P1),
consultável em “http://www.dgsi.pt/jtrp”.
(sublinhados, letra Bold e itálicos são meus)
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